O processo de distribuição de vacinas promovido em Minas Gerais tem gerado uma grande insatisfação por parte de prefeitos e pessoas que necessitam do insumo para se protegerem do coronavírus. Para muitos, há interesses na metodologia adotada para a distribuição do insumo entre os municípios.
Quem olha para o Vacinômetro da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) percebe que cidades com perfis populacionais parecidos estão recebendo quantidades de vacinas contra a Covid bem diferentes. A secretaria explica que os números são baseados em dados relativos aos grupos prioritários, mas ainda assim as distorções não ficam claras. Embora seja a quarta maior cidade de Minas Gerais, Juiz de Fora foi a segunda em número de vacinas recebidas – atrás apenas de Belo Horizonte. O município da Zona da Mata obteve 266.991 doses, enquanto Uberlândia, que tem cerca de 100 mil habitantes a mais, recebeu 225.238 unidades.
Para o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda, os dados utilizados para a distribuição são defasados. Um dos critérios utilizados pelo Estado são as projeções realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), que leva em conta levantamentos feitos em 2012, entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU). “A fonte de dados para fazer esses levantamentos é furada, o IBGE não é atualizado, os dados em todos os sistemas, sabemos que não tem a devida alimentação. Fazer o planejamento em cima desses dados é inseguro”, argumenta Lacerda.
A situação tem incomodado prefeitos, que acreditam que o desequilíbrio na distribuição de vacinas tem feito a letalidade em cidades menos abastecidas ser alta. Alguns dos municípios que, proporcionalmente sobre a população, receberam menos doses apresentam altas taxas de mortalidade por Covid. Em Ribeirão das Neves, na região metropolitana, para onde foram enviadas somente 77.933 doses, a taxa de letalidade é de 3,6%, conforme levantamento do professor de Estatística do Centro Universitário UNA Bráulio Couto. Em Governador Valadares, na região do Rio Doce, a taxa é de 4%; em Contagem, também na região metropolitana, 4,2%; e, em Betim, na mesma região, 3,7%. “Estamos constantemente questionando esses critérios, mas as explicações não são suficientes, porque falam que os critérios são a faixa etária e a população com comorbidade, mas a base de dados não é confiável”, pontua o presidente da AMM.
Para se ter uma ideia, em Betim, a prefeitura recebeu 380 doses da vacina anti-Covid para imunizar os profissionais das forças de segurança. O município, no entanto, possui 1.500 profissionais cadastrados. Segundo o secretário municipal de Saúde, Augusto Viana, entre os profissionais da saúde, 2.500 pessoas ainda aguardam a imunização por falta de vacinas.
“O Estado orienta que os municípios sejam ágeis na aplicação, informando que aqueles que mais aplicam receberam mais vacinas, mas isso é apenas um discurso. Betim tem condição de fazer muito mais no processo de vacinação. Temos infraestrutura logística e de armazenamento, mas esbarramos na desproporcionalidade da distribuição dos imunizantes, algo que não está no nosso controle”, explica o secretário, ressaltando que, atualmente, o município apresenta média de 77% de aplicação das vacinas com relação ao número de doses recebidas. O índice está entre os cinco melhores do Estado e acima da média estadual e nacional, que apresentam 73,1% e 72,6% de aplicação, respectivamente.
Essas discrepâncias fazem com que o ritmo de vacinação seja diferente nos municípios. Em Belo Horizonte, até mesmo os jovens com comorbidades estão sendo vacinados, enquanto em Betim o esquema vacinal dos idosos ainda está priorizando o grupo na faixa de 43 a 48 anos. “Estamos tentando entender esse critério, seja pela eficiência da aplicação, seja pelo fator populacional. Betim representa 2,09% de toda a população do Estado, mas recebeu apenas 1,32% de vacinas proporcionalmente à população. Isso gera um déficit de 67 mil doses a menos. A população das regiões metropolitanas possui perfis e características semelhantes. É o mesmo perfil de idosos, crianças. Não queremos achar que essa distribuição discrepante seja de caso pensado”, completa Viana.
Segundo ele, é preciso maior empenho do governo de Minas. “Eu vejo poucas ações concretas do Estado diante do governo federal. Vemos isso na quantidade de vacinas e no número de leitos credenciados e de kits de intubação recebidos”, completou.
NOVA SERRANA RECEBEU SÓ 12 MIL DOSES
Em Nova Serrana, na região Centro-Oeste do Estado, a situação é semelhante. Com aproximadamente 12 mil doses recebidas, o município obteve cerca de mil doses a menos do populacional para os idosos. A cidade tem aproximadamente 80 mil habitantes.
Entre os profissionais de saúde, de acordo com a secretária de Saúde, Gláucia Sbampato, o déficit foi de mais de 600 profissionais do setor privado. A cidade, segundo ela, cresce, em média, 10% por ano. “Nova Serrana é um dos municípios que mais crescem no Estado, e, quando se usa como parâmetro o número de população do IBGE, nós sofremos grande dificuldade, uma vez que nem mesmo as estimativas a cada dois anos correspondem à realidade do município. Na questão da vacinação dos profissionais de saúde, no setor privado, por exemplo, temos a dificuldade, porque os cadastros não são atualizados, e as doses vêm com base nisso”, explica a secretária, que já enviou os déficits de doses recebidas para o governo do Estado. “Não estamos com doses em atraso porque separamos, desde o início, a segunda dose. Estamos esperando respostas até do Ministério da Saúde”, afirma.
UBERLÂNDIA ESTÁ PREPARADA, MAS FALTAM DOSES
A cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, é um dos municípios que mais aplicou vacinas contra a Covid-19 no Estado levando em consideração as doses recebidas. A prefeitura contabiliza 85% de aplicações. Mas, segundo o coordenador da Rede de Urgência e Emergência do município, Clauber Lourenço, o índice poderia ser muito maior se houvesse imunizantes. A cidade está preparada, inclusive, para receber as doses da Pfizer, que precisam de armazenamento especial.
“É complicado os critérios, porque, Juiz de Fora, por exemplo, recebeu mais vacinas que a gente, mas nós temos um arcabouço de saúde maior, temos dois hospitais públicos, temos uma quantidade de profissionais de saúde gigantescos na rede privada, além de ter mais leitos de UTI. São números conflitantes, que temos questionado”, pontuou. ” Temos dois refrigeradores e montamos uma estrutura, temos capacidade de receber de imediato cem mil doses da Pfizer. Temos condição de receber e aplicar rapidamente”, completou.
Segundo Lourenço, a quantidade de vacinas recebidas pelo município para vacinar os profissionais de saúde foi 30% menor que o público prioritário. “Já notificamos e mantemos um diálogo aberto para aparar essas arestas”, afirmou.
CIDADE BENEFICIADA
Nos bastidores políticos, há quem diga que Juiz de Fora tenha recebido um percentual maior de doses em relação às outras cidades de maior porte do interior mineiro por ser base eleitoral do ex-secretário de Saúde, Carlos Eduardo Amaral. Ele foi exonerado em março, após polêmica em torno de servidores da pasta que foram vacinados contra a Covid. Atualmente, a cidade da Zona da Mata já vacinou 141.739 pessoas com ao menos a primeira dose do imunizante.
Procurado pela reportagem, Amaral disse que não está mais na pasta há mais de dois meses e não pode afirmar nada sobre o trabalho desenvolvido na secretaria. Disse ainda que não pretende se eleger a um cargo político no ano que vem, a fim de se dedicar exclusivamente à medicina e à docência.
“Ouvi várias vezes que as doses são distribuídas pelo número da população, e isso é um equívoco. Na verdade, a distribuição é feita conforme o número de pessoas relacionadas a cada grupo específico determinado no Plano Nacional de Imunização. Se sua cidade tem indígenas, recebe as doses para aqueles indígenas. Se não tem, não recebe”, explicou o ex-secretário. “A explicação é essa. Tudo fora disso é especulação”, salientou.
Por meio de nota, a Prefeitura de Juiz de Fora negou qualquer tipo de favorecimento no recebimento de vacinas. Segundo o município, o envio de vacinas, por parte dos governos federal e estadual, segue critérios definidos pelo Plano Nacional de Imunização. O órgão ainda destacou em nota que os imunizantes chegam à cidade com percentual e público-alvo previamente indicados: “Juiz de Fora é uma das cidades do Brasil com o maior percentual de idosos e possui um alto número de trabalhadores da saúde, que são grupos prioritários no processo de vacinação”.
DISTRIBUIÇÃO SE DÁ CONFORME CADASTROS
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) destacou que o quantitativo de doses de vacinas contra a Covid-19 enviado a cada município é estabelecido pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), coordenado pelo Ministério da Saúde, a quem é atribuída, também, a definição dos grupos prioritários para cada etapa da vacinação.
Segundo a pasta, o número de doses enviadas pelo Ministério da Saúde a cada um dos 853 municípios é definido de acordo com os dados alimentados pelos gestores municipais no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), no Cadastro Nacional da Assistência Social (CadSUAS) e no Departamento de Saúde Indígena – Desai.
Sobre as vacinas da Pifzer, a SES informou a distribuição do imunizante, inicialmente, tem sido destinada as capitais do país, conforme orientação do Ministério da Saúde. “Outras eventuais doses da vacina enviadas ao Estado também serão distribuídas conforme as orientações do Ministério da Saúde”, finalizou a nota.
O governo de Minas não informou como ficará a promessa do governador Romeu Zema (Novo) em distribuir mais vacinas às prefeituras que mais vacinassem.
O Ministério da Saúde, por sua vez, informou que o cálculo de distribuição de vacinas é feito de forma proporcional e igualitária, considerando o público-alvo contemplado a cada etapa de distribuição. Semanalmente, a pasta coordena reuniões com as gestões de saúde estaduais e municipais para definir a orientação adotada a cada nova distribuição. A recomendação, segundo o órgão, é para que estados e municípios sigam as orientações da pasta, no entanto, os gestores locais do SUS têm autonomia para definir a estratégia local de vacinação.