Conhecido por diversas suspeitas de pagamentos de propina para facilitação de serviços, o Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) já foi alvo de pelo menos seis operações de combate à corrupção só neste ano no Estado. Desde fraudes na obtenção da carteira de motorista, aprovação de documentos com irregularidades e até atuação de falsos despachantes, o órgão está na mira do governo mineiro, que deve implementar mudanças. Entre as mais adiantadas, está a terceirização das vistorias.
Em 2018, o Estado chegou a iniciar o processo de credenciamento das empresas, que foi suspenso dias depois por suspeitas de fraudes. Na época, foram identificadas dezenas de estabelecimentos interessados em realizar as vistorias em Minas de um mesmo dono, criados pouco antes da abertura do processo. O Ministério Público chegou a emitir uma recomendação ao Detran para não repassar o serviço à iniciativa privada – entre as justificativas, a entidade alegou que “acarretaria mais um ônus aos proprietários dos automóveis, que teriam de desembolsar, além dos tributos legais, uma quantia de R$ 150 pela vistoria realizada pela empresa privada”.
O dirigente cita também o exemplo de Belo Horizonte, que só tem uma unidade do Detran que faz a vistoria no bairro Gameleira, na região Oeste da capital. “Vai acontecer uma desburocratização. Na capital, tem um único lugar que pode fazer a vistoria do seu carro, e acaba tendo que contratar serviços de despachantes que encarecem para o cidadão pela precária oferta no Detran”, acrescentou. Além disso, Campos lembrou que a atuação de empresas poderia evitar fraudes e dar mais segurança ao usuário.
“Ao chegar com o veículo, todo o processo é filmado em uma empresa privada. Só de fotografias, podem chegar a 24 imagens coletadas de pneu, parabrisa, cinto. São mais de 100 itens verificados e a vistoria tem dois grandes enfoques. Um é a garantia da autenticidade e originalidade do veículo, mas os outros itens remetem à segurança veicular, o que até evitar acidentes, como aconteceu em São Paulo. No Detran, acabam se limitando a bater uma foto do chassi, do motor, do odômetro e te liberam”, alegou.
A presidente do Sindicato das Empresas de Vistorias de Identificação Veicular e Motores no Estado de Minas Gerais (Sindev), Natália Cazarini, acrescentou que a mudança ainda pode trazer um histórico de informações sobre o carro. “Caso um veículo tenha 100.000 quilômetros rodados e em algum momento aparecer com 90.000 durante uma venda, a pessoa vai saber que teve uma adulteração com as fotos registradas”, frisou. Já o Sindicato dos Despachantes de Trânsito de Minas Gerais (SINDETRAN) foi procurado por diversas vezes pela reportagem, mas não se manifestou sobre a possível terceirização das vistorias.
Denúncias de corrupção e reclamações são frequentes
Após comprar uma carretinha para reboque de um jet ski, um homem que pediu para não ser identificado precisou fazer a vistoria do equipamento no Detran Gameleira, na capital. “Fiz o agendamento e quando cheguei lá, o vistoriador fez colocações de coisas que estavam fora do padrão, como as faixas reflexivas e o parachoque. Como já tinha perdido tempo e só teria um novo atendimento muito depois, ofereci uma gorjeta de R$ 50 e a pessoa concordou”, revelou.
Com a propina, conseguiu aprovar a transferência do reboque. “Estou desacreditado que vai haver qualquer mudança no órgão, porque hoje só funciona dessa maneira. Ficam o tempo inteiro dificultando para receber por fora, por mais que tudo esteja correto, sempre conseguem uma desculpa para ganhar um extra”, pontuou. E outro fator que gera reclamações é a lentidão do departamento. Vendedor de carros usados há décadas, um empresário que também pediu anonimato disse que a situação ficou pior no último ano.
“Desde a mudança do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) do impresso para o digital, as coisas ficaram ainda piores. No Detran de BH, você vende um carro para o cliente e demora dois meses para o documento sair. Isso está arrebentando com a gente”, disse. Além disso, ele também cita que as propinas são constantes. “Tem hora que o documento está pronto, a gente entra em desespero com a cobrança do cliente, e tem que chamar um despachante por baixo do pano e fazer um esquema para ver se consegue resolver mais rápido”, contou.
Os casos de corrupção também se acumulam em outras partes do estado. Na última semana, 11 pessoas foram presas em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, por suspeita de participação em um esquema de propina no Detran da cidade que cobrava para aprovar vistorias, consultar sistemas restritos e até retirar impedimentos de veículos. Além de policiais civis, entre os investigados aparecem funcionários de cartório e despachantes. No mês passado, um grupo criminoso que atuava da mesma forma em Unaí, na região Noroeste, também foi descoberto pelo Ministério Público.
A reportagem de O TEMPO solicitou à Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais um balanço de denúncias e reclamações contra o Detran recebidas neste ano. Porém, o órgão se limitou a dizer que as informações são “sigilosas e seguem os trâmites previstos em Lei” e recusou a repassar qualquer dado. A Corregedoria-Geral de Polícia Civil também não se manifestou sobre o assunto. Questionado sobre a possibilidade das mudanças no departamento, o governo do Estado teve o mesmo posicionamento e não respondeu.
Detran-MG pode ser desvinculado da Polícia Civil e virar autarquia
Após a Procuradoria-Geral da República (PGR) entrar com uma ação para tirar o Detran-MG da Polícia Civil – Minas é o único estado brasileiro em que o departamento ainda é vinculado à corporação – em março, o governo encaminhou na última semana um projeto de lei à Assembleia para criar um novo departamento. Com autonomia administrativa e financeira, a autarquia será vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão.
“O projeto reorganiza e aprimora a institucionalidade das atividades relacionadas às políticas públicas e ao poder de polícia administrativa em matéria de trânsito. Por conseguinte, a nova estrutura do Detran-MG adequa-se às diretrizes da Constituição da República e está em sintonia com modelos equivalentes e bem-sucedidos em outros Estados-membros”, justificou o governador Romeu Zema em mensagem aos parlamentares.
Para o professor especialista em direito público, Carlos Barbosa, a proposta corrige uma atribuição que foi dada à Polícia Civil e não deveria ser de sua responsabilidade. “O Detran não tem nenhuma relação com as áreas de investigação, que ficam a cargo da corporação. Um outro ponto é que quando você retira a função de um órgão, ele ganha eficiência, já que terá uma nova administração e campo estratégico”, explicou.
Sobre a corrupção no órgão, Barbosa afirmou que a mudança para autarquia não significa que vai impedir a continuidade dos esquemas criminosos. “Uma nova entidade não fará com que esses casos deixem de existir. É importante que o estado implemente mecanismos de controle contínuo e permanente, uma fiscalização que aconteça concomitantemente à prestação do serviço”, finalizou.
O DETRAN EM MINAS
Quando são realizadas as vistorias nos veículos?
- Transferência de propriedade
- Transferência de município
- Modificações
- Adaptação do veículo
O que é analisado?
- Itens de segurança
- Quilometragem
- Motores
- Estrutura do veículo
- Alterações já realizadas
Serviço é realizado pelo próprio Detran e pode ser repassado para empresas privadas
Proprietários de veículos passariam a pagar pelo procedimento
Outras mudanças propostas
- Desvinculação da Polícia Civil: governo encaminhou projeto para votação na Assembleia que transforma departamento em autarquia
Atendimentos no Detran do Estado
Emissão de CNHs
- 2021 (janeiro a junho) – 828.256
- 2020 (janeiro a junho) – 598.635
- 2020 (ano todo) – 1.542.449
Emplacamentos de veículos
- 2021 (janeiro a junho) – 275.791
- 2020 (janeiro a junho) – 199.638
- 2020 (ano todo) – 489.499
Transferências de veículos
- 2021 (janeiro a junho) – 2.032.106
- 2020 (janeiro a junho) – 1.326.158
- 2020 (ano todo) – 3.476.626